Igor Fiodorvitch Stravinsky nasceu em Oraniembaum (Rússia), perto de São Petersburgo, a 17 (5 pelo antigo calendário) de junho de 1882. Filho de um conhecido cantor da ópera imperial de São Petersburgo, educou-se em excelente meio artístico e cultural.
Apesar da precoce vocação para a música, foi encaminhado para o curso de direito. Conheceu então o filho de Rimski-Korsakov, passando a estudar com esse último. Em 1905 abandonou a universidade. Ouvinte entusiasmado de suas primeiras obras, Diaghliev convidou-o a colaborar nos balés russos, para os quais compôs O pássaro de fogo, cuja apresentação em Paris (1910) lhe abriu o caminho da celebridade.
Alcançando outro sucesso com Petrouchka (1911), causou escândalo em maio de 1913 com a sagração da primavera. A I Guerra Mundial levou-o a mudar-se para a Suíça, voltando à França em 1919. Nessa época, apresentou-se freqüentemente como pianista e regente, enquanto como compositor se voltava para a pesquisa da tradição clássica européia.
Em 1939 perdia a mãe e a primeira mulher, ao mesmo tempo que o início da II Guerra Mundial o fazia trocar a França pelos Estados Unidos. Nesse país casou-se (1940) com Vera de Bosset e trabalhou durante mais de trinta anos. No começo da década de 1950, encontrou um amigo dedicado na pessoa do jovem regente Robert Craft, que lhe despertou o interesse pela música serial.
Em 1963, após quase meio século de afastamento, Stravinsky visitou a então União Soviética, recebendo carinhosa acolhida do povo russo. Stravinsky morreu em Nova Iorque, a 6 de abril de 1971.
Afirmando-se, ao lado de Bartók e Schönberg, como um dos compositores de maior significação na primeira metade do séc. XX, Stravinsky distingui-se entre seus contemporâneos pelo caráter multiforme, tanto de sua produção, quanto de suas diretrizes estéticas, que refletem as mudanças de meio e vivência sócio-cultural do seu cosmopolitismo.
À medida que se 'desenraíza', que se diversifica em variadas fontes de matéria-prima, cada vez mais seu interesse se concentra no valor da forma, da arquitetura musical, a que traz contribuições vigorosamente renovadoras.
Passando, no mínimo, por três fases bem demarcáveis - a da música de fundo russo, ligada à cooperação teatral com Diaghilev; a do chamado estilo neo-clássico, norteada pela revalorização criativa de princípios e autores da música européia do séc. XVIII; e da adesão do serialismo weberniano - Stravinsky sustenta e desenvolve em todas elas, como em seus muitos trabalhos de transição, a mesma preocupação de reordenar a arte musical e enriquecê-la com novas técnicas e perspectivas.
Sua imaginação é tão forte quanto sua racionalidade. Propõe-se, antes de tudo, dominar, num processo de depuração e de síntese, os elementos contrastantes de sua experiência, ao mesmo tempo eslava e ocidental.
Stravinsky consegue concretizar esse projeto. De um lado, na atitude anti-romântica, mas rebelde, em que promove a fusão do bárbaro e do moderno, do exótico e do universal; de outro lado, principalmente do Édipo rei (1927) e da Sinfonia dos salmos (1930) em diante, pela solene dualidade greco-romana de seu caminho para a religião, o catolicismo.
Entre uma e outra orientação, tornam-se mais inteligíveis as razões do período em que se volta para a polifonia pré-clássica e, em particular para Pergolesi. Recuará ainda mais, até a música do séc. XIV, para estruturar a sua surpreendente missa de 1948.
Defendendo a completa funcionalidade da técnica que requer um novo tratamento para cada obra, Stravinsky alcança admirável domínio artesanal, implanta novas combinações instrumentais, conduz um fluxo melódico que incorpora tudo, desde o folclore russo à liturgia da Igreja romana, alarga o espectro de possibilidades da harmonia tonal e confere ao ritmo um relevo extraordinariamente fértil para o desenvolvimento da música contemporânea.
Com sua pluralidade, sua força de tantos entrechoques e contradições, Stravinsky encarna em sua música uma súmula viva das crises e transformações que sacodem o mundo até hoje.
Nenhuma obra de Stravinsky é mais conhecida do que a sagração da primavera. Compreende-se a perplexidade dos primeiros ouvintes desses 'quadros da Rússia pagã': a aparente violação de toda a sintaxe musical, a aspereza politonal e do intenso cromatismo das dissonâncias, a poliritmia, o selvagem acento percussivo, a energia vulcânica do colorido orquestral, pareciam desmantelar tudo o que se consagrara de teoria e harmonia musical. Mas o fascínio da obra, que permanece, acentua-se na identificação aparentemente paradoxal do que sugere o tumulto da vida moderna, com suas máquinas e explosões; nesse sentido, é a recriação sonora do encontro de dois extremos, o primitivo e o contemporâneo.
Na ópera alegórica O rouxinol (1914), Stravinsky satiriza a mecanização da vida moderna. Inscrevem-se na mesma fase a ópera cômica Maura (1921) e o bailado as núpcias (1923), que explora o folclore dos camponeses russos. Diferente, e de difícil classificação, é a história do soldado (1918), inspirada no teatro ambulante e popular da Rússia. Concebida como uma espécie de pantomima fantástica, com narrador e orquestra no palco, reitera a crítica do compositor à era das máquinas.
A fase neo-clássica já se manifesta em Pulcinella (1919), bailado baseado em melodias de Pergolesi. Mais característico ainda é o Octeto para instrumentos de sopro (1923). Mas é a partir do modelo de Händel que Stravinsky realiza seu Édipo rei, oratório de grandiosa beleza trágica, com texto em latim, de Cocteau. Em apollon Musagete (1928), a expressão neo-barroca, de frieza clássica, parte das formas puras da dança.
Trabalho culminante dessa segunda trilha stravinskyana, a carreira do devasso (1951) reúne motivos de Händel, de Mozart, e do canto italiano. A ópera inspira-se em quadros de Hogarth e dá a medida da relação entre as incursões históricas do autor e sua virtuosidade de estilo.
Até a religiosidade sincera da Sinfonia dos salmos, Stravinsky compôs diversas obras importantes, como o Rag Time (1918) para 11 instrumentos, sob a influência do jazz; a Sinfonia para instrumentos de sopro (1920); a ópera O beijo da fada (1928). Vem depois o sereno melodrama Perséfone (1934), com texto de andré Gide; o Concerto para orquestra de câmara em mi bemol maior (1938), em que Stravinsky integra o estilo de J.S.Bach, prestando-lhe homenagem; a Sinfonia em dó maior (1940) e a Sinfonia em três movimentos (1945); o bailado Orfeo (1947).
A religião vai confluir, pouco a pouco, para o dodecafonismo, através do Canto sacro em honra do nome de São Marcos (1956), Threni (1959), Um sermão, uma narrativa e uma prece (1961), etc. De influência decisiva nas diversas correntes da música atual, Stravinsky escreveu uma auto-biografia (até 1934), Crônica de minha vida (1935), Poesia musical (1946) e vários livros em colaboração com Robert Craft.