O anúncio de um editor no jornal da Sociedade de Direitos de Execução Britânica em outubro de 1929 disse tudo: 'É arthur W. Ketelbey, o maior compositor inglês vivo, uma nova e bela inspiração, a hora sagrada'. Pondo de lado o fato não insignificante de que homens da estatura criativa de Elgar, Vaughan Williams, Holst e Bax viviam ainda nessa época, há uma certa elegância freudiana na própria circunstância de que o próprio editor não deu o nome de Sir Ketelbey direito!

Ele era, realmente, albert W. Ketelbey, mas, era o sobrenome, e não o prenome, que normalmente causava problema. A bem da verdade, o público tendia a colocar o acento no lugar errado - fazendo-o na segunda sílaba: Ke - tèl - bey. Quando não, pessoas desavisadas a ele se referiam como Kettleboy ou Kettlebay e diversas outras variações de nomenclatura.

É preciso alertar para o fato, porém, de que, embora tudo isso, ele sempre soube absorver essa confusão. Diz-se surpreendentemente, embora ninguém ainda o tenha dado certeza, que ele teria nascido simplesmente William aston, todavia, como veio ao mundo em aston, distrito de Birmingham, é possível que tal nome tenha surgido em razão dessa indistinção! Onde, quando e como ele assumiu tal troca de nomes permanece  no mistério, exceto que tenha sido em tempos muito distantes. Chegou-se a buscar o novo nome como ligado a origens dinamarquesas, a teoria sendo calcada a seguinte: 'o ke tendo o papel de prefixo ligado ao Ke nos nomes "Kenelm", "Kesteven", "K'nut", "Quebec", ou seja, Ke-bec, o Que vindo a ser o equivalente do francês Ke', alguém tendo que ser perdoado por ess retrocesso. Presume-se que o "W" signifique William mas, de novo, inexiste evidência incontestável que confirme isto.

De um modo ou de outro, albert William Ketelbey nasceu em Birmingham (Inglaterra), em 4 de agosto de 1875. Parece haver demonstrado talento para música muito cedo, com aparente aptidão para o piano. Certa tendência para a composição teria se manifestado muito rápido nele, pois, com apenas onze anos de idade, escreveu uma sonata para piano que foi executada em um recital no recinto da prefeitura de Worcester, a qual, depois, iria ganhar a admiração de alguém do porte de Elgar. Em Birmingham, seus estudos foram feitos sob as orientações de alfred Gaul e do Dr. Herbert Wareing, ambos havendo-o preparado para a admissão em um dos colégios de música londrinos.

Supôs-se, inicialmente, que ele pudesse ter ingressado no Colégio Real de Música, mas, por qualquer razão, perdeu o prazo para uma bolsa de estudos lá e optou por outra, a bolsa de estudos da rainha Vitória, no Colégio Trinity. Tinha apenas treze anos, mas, com facilidade, ganhou o primeiro lugar, obtendo muitas notas mais altas que o seu colega concorrente, Holst, quase um ano mais velho do que ele.

No Trinity ele foi trabalhador aplicado, estudando composição sob a direção de Gordon Saunders ao mesmo tempo que uma desconcertante aquarela de instrumentos, desde o piano, órgão, clarineta, trompa e oboé até o violoncelo, este último tornando-se seu particularmente predileto. Ganhou várias medalhas e prêmios, seja como instrumentista ou compositor, tendo o prazer de ver algumas de suas primeiras obras publicadas, incluindo um Capricho para piano e orquestra e uma Peça concertante para essa mesma interpretação, nas quais atuou como solista. Houve, além disso, um certo número de peças de câmara, as mais destacadas incluindo Quarteto para cordas e Quinteto para piano e sopros, este havendo conquistado o cobiçado Prêmio Sir Michael Costa. Ele foi, sem dúvida, um aluno talentoso, mesmo porque também encontrou tempo para tornar-se versátil em línguas modernas.

Com dezesseis anos já era um músico altamente preparado, tendo conquistado a sua primeira designação profissional como organista na igreja de St. John em Wimblendon. Nesta oportunidade, já se via destinado a uma carreira brilhante na chamada "música séria", seja como compositor ou como intérprete. Prosseguiu compondo, com trabalhos tanto para a igreja como para as salas de concerto, e começou a estabelecer-se ele próprio como pianista de não menor talento, aparcendo em grande número de locais e cidades, como Londres, Birmingham e Eastbourne.

Mas o destino haveria de conduzir a carreira do brilhante jovem músico para outra direção. Aos vinte anos ofereceu-se a ele a oportunidade de se tornar diretor musical de uma companhia de viajantes de comédias musicais, a qual se tornou alvo de rápido e aparente interesse. Debaixo deste novo tipo de vida e de diferente estilo musical, ele viajou por longas distâncias pelas Ilhas Britânicas, depois de alguns anos finalmente fixando-se como diretor musical do Teatro de Vaudeville de Londres, onde trabalhou para diversas revistas de andré Charlot, encarregando-se da música original para muitas produções. Uma de suas primeiras tentativas na chamada "veia" teatral foi a ópera cômica a good time (subtitulada Skipped by the light of the moon), que estreou em 1896, mas foi um ensaio posterior, The wonder worker, estreado no Grande Teatro de Fulham, a oeste de Londres, que começou a encontrar a mais favorável acolhida. Entrementes, ele encontraria satisfações financeiras, se não artísticas, criando arranjos de seleções de comédias musicais.

Não haveria de ser neste campo, entretanto, que seu nome se firmaria universalmente. Estaa perto dos 40 anos de idade quando, em 1912, compôs uma peça para violoncelo para uma competição musical patrocinada pelo famoso instrumentista auguste van Biene. Tratava-se da Melodia fanstasma, com a qual ganhou a considerável soma de 50 libras. Outra vitória em concurso ocorrido antes, mas no mesmo ano, esta como participação num torneio de canções instituído pelo jornal londrino Evening News, proporcionou-lhe 100 libras.

O mundo da música orquestral ligeira começava a acenar para ele, e, de modo crescente, o interesse de Ketelbey voltou-se para esta direção. Encantadoras miniaturas iriam emergir de sua pena, culminando com No jardim de um mosteiro, surgida em 1915, e a partir daí o compositor, já aos 40 anos, ganharia popularidade tão grande que suas primeiras obras de grande aceitação tornariam-se absolutamente insignificantes.

Ele não era uma pessoa de atividades falsamente intelectualizadas, estava destinado à energia e ao trabalho. Alguém que, em épocas diversas, chegou a editor de uma das maiores casas editoras do país, a diretor musical da gravadora Columbia Gramophone Company, examinador no Colégio Trinity e ativo regente de orquestra com apresentações geralmente à frente de seu próprio grupo, e não apenas na Inglaterra, mas também, e com várias orquestras, por toda a Europa (inclusive no Concertgebouw de amsterdã) - onde seu talento com línguas estrangeiras ficou sem dúvida provado como inestimável -, esse alguém, por certo, tinha de ser alguém especial.

Com tudo isso, sua primeira paixão foi compor, que ele desenvolveu na sua aprazível residência em appley Road, Cowes, na Ilha de Wight, por ele adquirida graças a substanciosa renda provinda de duas peças musicais ligeiras. No intuito de extrair o mais alto benefício financeiro possível de seus trabalhos manuscritos, ele fazia arranjos de suas peças de maior sucesso, instrumentando-as para bandas, orquestras de salão e diversos conjuntos, ao mesmo tempo que transformando-as em canções, para as quais criava letras de sua própria invenção.

Igual a alguns colegas que atuavam no mesmo gênero que ele, Ketelbey se inclinou ao uso de pseudônimos em certas ocasiões, valendo-se freqüentemento do sonoro e do exótico anton Wodorinsky, utilizando principalmente em seus trabalhos para piano. Desdobrou-se com sua experiência, também, a serviço do cinema mudo, tendo produzido uma extraordinária variedade de peças para vários conceitos de clima. Em 1937, ele retomou ao seu antigo âmbito de "música séria" ao compor o Cortejo solene para a coroação de George VI. Quando não estava compondo, fazia arranjos, regia orquestras ou editava, desenvolvia seu talento no jogo de bilhar, campo onde também se destacou!

Ketelbey viveu 84 anos e, compreensivelmente, seu ritmo de vida foi diminuindo bastante nos últimos tempos de existência. Com uma criação musical comovente atrás de si, satisfez-se no gozo do tranqüilo ambiente da Ilha de Wight ao lado de sua segunda mulher Maud. Não tinha família, mas isto parecia não aborrecê-lo. Morreu no dia 26 de novembro de 1859, época em que já se tornara uma espécie de fora de moda. Uma nota de obituário absolutamente prosaica no Times de Londres anunciou a sua morte, tendo sido isto o mais favorável que encontraram: 'desenvolveu talento para a escrita descritiva (...) na qual mostrou habilidade para captar sonoridade ambiental'.

Ketelbey - Minha coleção